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Ativistas e CFM discordam sobre cotas em residências médicas

Discussão reacende após ação judicial do CFM contra reserva de vagas em edital da Ebserh

11/11/2024 às 10h21
Por: Redação Fonte: Agência Dino
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O embate jurídico sobre a utilização de cotas em processos seletivos para cursos de residência médica ganhou um novo capítulo. O Conselho Federal de Medicina (CFM) ingressou com ação civil pública contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), na 3ª Vara Cível de Brasília, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). O motivo é a destinação de 30% das vagas do Exame Nacional de Residência (Enare) para candidatos pretos, pardos, indígenas ou pessoas com deficiência.

Especializado em notícias sobre a área da medicina, o portal Melhores Escolas Médicas ouviu representantes de grupos vulneráveis. Para Samira Soares, coordenadora geral do Movimento Negro Unificado (MNU) na Bahia, o posicionamento do CFM representa um retrocesso nas conquistas que garantem reparação histórica e inclusão dos negros e outros grupos marginalizados em espaços de grande impacto social, como o setor da saúde. “As cotas não são uma concessão, mas sim uma resposta necessária ao racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira”, diz. 

“A exclusão das cotas nas residências médicas, como sugere o CFM, compromete o avanço de profissionais negros na medicina e perpetua uma estrutura desigual e excludente. Além disso, representa um desrespeito ao compromisso de promover uma sociedade mais justa e igualitária, pois a diversidade no setor médico é fundamental para atender melhor a nossa população diversa, especialmente nas periferias e regiões marginalizadas, onde a população negra é a mais afetada pela falta de acesso à saúde”, ressalta Samira.

A professora aposentada da Faculdade de Medicina da UFRJ e ex-secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Izabel de Loureiro Maior, também defende que as condições estruturais do país justificam a existência de políticas que promovam o acesso às vagas dos programas de residência médica, bem como os recursos de acessibilidade no processo seletivo.

“A acentuada desigualdade social e alta discriminação contra os segmentos vulnerabilizados, como as pessoas com deficiência, acompanham essas parcelas populacionais, apesar das políticas públicas de inclusão existentes. Daí ainda precisarmos de ação afirmativa para reduzir as barreiras atitudinais e ambientais persistentes. Por isso, caberá a cada candidato comprovadamente com deficiência escolher o que é melhor para si nos concursos de pós-graduação, seja a residência médica ou outros”, pontua.

Ativista na luta pelos direitos das pessoas com deficiência, a senadora Mara Gabrilli (PSD) acionou o Ministério Público Federal, na tentativa de conter a investida jurídica do CFM. “Temos legislações que defendem as cotas em diversos âmbitos e ainda dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça, cor ou deficiência. Nesse sentido, a postura do CFM é claramente uma discriminação. É por isso que estou entrando com uma representação no MPF para que tome as providências cabíveis e as medidas judiciais destinadas à proteção dos direitos dos brasileiros com deficiência”, informa.

“Alegar que as cotas não devem ser aplicadas nas residências médicas é não reconhecer a dívida que o Estado e a sociedade têm com esses grupos. Sabemos que as cotas existem para sanar problemas estruturantes, estão longe de ser um privilégio, e não é excluindo ações afirmativas e não cumprindo a lei que iremos garantir qualidade na formação de futuros médicos. Ao contrário, trata-se de uma medida excludente e que nada tem a ver com a defesa da vida, que é o verdadeiro papel de um profissional da saúde”, ressalta Gabrilli.

O que argumenta o CFM

Apesar de reconhecer a importância das políticas afirmativas para a concretização do princípio de equidade, o CFM entende que não se aplicam para a seleção em residências médicas. “Ao ingressarem nos cursos de medicina por meio das cotas, negros, indígenas, quilombolas e portadores de necessidades especiais (sic) tiveram acesso ao mesmo ensino que os demais colegas da ampla concorrência. O registro no Conselho Federal de Medicina (CRM) significa que todos são médicos, não havendo lacunas de conhecimento que justifiquem um tratamento diferenciado para alguns”, argumenta em nota pública.

Para o CFM, a reserva de vagas “vai causar uma discriminação reversa, já que eventuais desigualdades foram equalizadas a partir da entrada dos grupos menos favorecidos nas faculdades de medicina, além de que a seleção para residência médica não se assemelha a concurso para provimento de cargos públicos”.

“O que o CFM defende, e que deveria fazer parte da lista de reivindicações de todos os que querem uma medicina brasileira de qualidade, é que a residência médica se mantenha como o padrão-ouro na formação de especialistas, baseando o acesso aos programas no mérito acadêmico de conhecimento, motivo pelo qual o CFM ajuizou ação judicial para este fim”, conclui o Conselho.

Resposta da Ebserh

A Ebserh também emitiu comunicado oficial. Alega que o objetivo do Enare é a ampliação e a democratização do acesso às vagas de residência médica, multiprofissional e em área profissional da saúde no Brasil, “o que está em total alinhamento ao estabelecimento de reserva de vagas (cotas) para o acesso de grupos populacionais vulnerabilizados, assim como aos objetivos da República Federativa do Brasil, previstos na Constituição Federal”.

“O Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade das ações afirmativas, tal como a utilização do sistema de reserva de vagas (cotas) por critério étnico-racial, na seleção para ingresso no ensino superior público. O estabelecimento de reservas de vagas no Enare, com respaldo constitucional e legal, visa garantir que o acesso aos programas de residência reflita a diversidade demográfica do Brasil e contribua para um sistema de saúde mais inclusivo e equitativo”, diz.

De acordo com a nota, a Ebserh também avalia que a existência de políticas de cotas no ingresso às universidades públicas, por si só, não elimina as profundas desigualdades sociais que afetam o acesso às especialidades médicas, tendo em vista que muitos estudantes ainda enfrentam barreiras adicionais ao tentarem ingressar nos programas de residência, onde há uma acirrada competição e altos custos associados à preparação para exames específicos.

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